Hospital classifica caso como abortamento espontâneo
No começo de setembro, Monique dos Santos Rosa, de 20 anos, estava vivendo a expectativa de uma gestação bastante especial: trigêmeas idênticas. A família chegou a comemorar com um chá-revelação, cheia de sonhos. Porém, logo surgiram alguns desconfortos e várias idas ao hospital. Uma semana antes do desfecho, quando Monique foi ao médico por conta de dores, recebeu a informação de que isso poderia ser “normal”, por causa do peso de carregar três bebês.
No dia 13 de setembro, as dores aumentaram e Monique decidiu buscar atendimento no Hospital Regional Ruth Cardoso, em Balneário Camboriú. Assim que chegou, foi internada, recebendo soro e medicamentos — alguns para aliviar a dor, outros para tentar segurar as contrações e manter as crianças por mais tempo. No meio do tratamento, um remédio para pressão a deixou enjoada, e, em meio ao vômito, a primeira bolsa rompeu.
O trabalho de parto começou de verdade. Por volta das 18h49, a primeira bebê nasceu. Monique lembra de ver a filha só por um instante, enquanto o marido assistia o corte do cordão umbilical. Depois, as outras duas irmãs também vieram ao mundo. A família atravessou uma montanha-russa de emoções: inicialmente, foi informada de que as três meninas estavam bem. Mas, logo depois, a situação mudou e apenas uma havia sobrevivido. Em seguida, o médico trouxe a notícia mais devastadora: nenhuma delas sobreviveu. Monique ficou particularmente ferida ao ouvir a expressão “fetos”, junto com a explicação de que não havia possibilidade de vida naquela idade gestacional.
Ainda no sábado, o casal foi levado a uma sala onde viu suas três filhas sem vida. Monique, recém-parida e exausta, sentia seu corpo tremendo. Após esse momento doloroso, foi encaminhada para a maternidade, tendo que passar por corredores cheios do choro de recém-nascidos. “Fui com os braços vazios, com o útero vazio”, lembraria ela depois.
No domingo, Monique recebeu alta. O que veio com ela foi um atestado de quinze dias apontando “aborto espontâneo” e uma receita simples para dor. Sem documentos que registrassem suas filhas, a família tomou a iniciativa de protegê-la do impacto emocional. Desligaram o celular, organizaram visitas curtas e mantiveram uma vigília silenciosa. O sogro, por sua vez, voltou ao hospital na segunda-feira para formalizar a documentação. Assim, foi possível registrar as meninas — Maithê, Eloa e Alana — e organizar a despedida. A expectativa era que as cinzas chegassem em até quinze dias.
Após esse período, Monique iniciou acompanhamento psicológico e conseguiu formalizar sua licença-maternidade. Em casa, decidiu tatuar os pezinhos e os nomes das filhas. O marido também fez uma tatuagem com a data do nascimento. Apesar do carinho, ela relatou que lida diariamente com insônia e uma falta de apetite notável. O que mais a impacta, no fundo, é a sensação de que o tempo foi interrompido de repente.
O caso se tornou conhecido no dia 24 de setembro, quando Monique divulgou um vídeo com seu relato. Naquela mesma data, o Hospital Regional Ruth Cardoso emitiu uma nota oficial. Nela, a instituição explicou que a gestação estava em 20 semanas e, com base em diretrizes do Ministério da Saúde, tratou o episódio como um abortamento espontâneo, afirmando que “a viabilidade neonatal é geralmente reconhecida a partir de 22 a 24 semanas”. O hospital garantiu que todos os protocolos foram seguidos para tentar prolongar a gestação e que prestaram suporte à família, afirmando que “não houve erro ou negligência no atendimento”.
Após toda essa experiência, sobraram o luto e a dor. Uma casa que se preparou para acolher três berços agora teve que lidar com o silêncio que, até então, parecia não caber nas palavras.
Parto prematuro ou abortamento espontâneo?
Parto prematuro (pré-termo)
É o nascimento que acontece antes de 37 semanas, em que a criança apresenta sinais de vida ao nascer (como respiração e batimentos cardíacos). Nesses casos, o hospital deve emitir uma Declaração de Nascido Vivo (DNV). Se a criança morrer após o nascimento, é emitida também uma Declaração de Óbito.
Abortamento espontâneo
Esse termo refere-se à interrupção não provocada da gestação antes do limiar de viabilidade. No Brasil, considera-se abortamento quando ocorrem perdas em menos de 22 semanas de gestação ou o peso fetal é abaixo de 500 g. Nesses casos, não é emitida a DNV.
Óbito fetal (natimorto)
Quando um feto não apresenta sinais de vida ao nascer, mas já atingiu 20 semanas ou um peso de ≥ 500 g, deve-se emitir uma Declaração de Óbito Fetal (e não DNV). Este documento é necessário para registro e sepultamento ou cremação.
Documentos que o hospital deve emitir
- DNV: para todo nascido vivo, independente da idade gestacional.
- DO Fetal: para natimortos (e é emitido para casos de ≥ 20 semanas/≥ 500 g).
Limiar de viabilidade (contexto clínico)
A sobrevida fora do útero aumenta a partir de 22–24 semanas, mas ainda apresenta riscos. Abaixo desse marco, geralmente não há chance de vida. As diretrizes neonatais no Brasil apontam que o maior dilema está entre 23 e 24 semanas.
Em termos práticos:
- Houve sinais de vida ao nascer? → É parto prematuro e deve ser emitido uma DNV.
- Não houve sinais de vida e os parâmetros são ≥ 20 semanas/≥ 500 g → É considerado óbito fetal (natimorto), recebendo Declaração de Óbito Fetal.
- Perdas abaixo do limiar (como < 22 semanas) são tratadas como abortamento espontâneo, sem DNV.



