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Ana Maria Gonçalves é a primeira mulher negra na ABL

A Academia Brasileira de Letras (ABL) fez história ao eleger, pela primeira vez em 128 anos, uma mulher negra para uma de suas 40 cadeiras. Ana Maria Gonçalves, autora do renomado romance “Um Defeito de Cor”, foi escolhida para ocupar a cadeira 33, que antes pertencia ao linguista Evanildo Bechara. A eleição ocorreu na tarde de quinta-feira e marcou um importante passo na diversidade da instituição.

Ana Maria, natural de Minas Gerais e com 54 anos, foi a primeira a se inscrever para a vaga após a homenagem a Bechara, realizada em 27 de maio. Desde o início da corrida, ela já era considerada favorita. A escritora recebeu 30 votos, enquanto sua concorrente, a indígena Eliane Potiguara, obteve apenas um. Outros 11 candidatos também disputavam a cadeira.

Em um momento de festa, Ana Maria falou sobre a importância de sua eleição. Ela acredita que a escolha pode ser vista como um sinal de que a ABL está cada vez mais alinhada com a diversidade cultural brasileira. A escritora destacou que sua presença pode trazer novos leitores para a academia, que ainda não se vê representada na maior parte da literatura produzida no Brasil.

Ana Maria quer agir em prol de novos escritores e de novas formas de saberes, incluindo a oralidade, que é uma tradição rica e comum na cultura brasileira. Sua obra “Um Defeito de Cor”, publicada em 2006, é um marco na literatura negra, abordando a diáspora africana e os impactos da escravidão na formação da identidade nacional. Com 950 páginas, o livro conta a história de Kehinde, uma mulher sequestrada na África, que passa pela escravidão no Brasil e busca seu filho perdido. Essa narrativa é inspirada na figura histórica de Luiza Mahin, uma mulher importante na luta pela abolição.

A crítica literária Fernanda Miranda destaca que Ana Maria Gonçalves e sua obra abriram espaços para autoras negras no gênero romance, que historicamente foi dominado por homens brancos. O livro “Um Defeito de Cor” foi classificado entre os melhores da literatura brasileira do século XXI, segundo uma seleção de especialistas.

Recentemente, a ABL começou a diversificar suas escolhas. Em 2022, Ailton Krenak se tornou a primeira pessoa indígena a ser eleita, e Gilberto Gil se juntou ao seleto grupo de homens negros da academia. Apesar do aumento na presença de mulheres e minorias, elas ainda são em número reduzido, como é o caso de Ana Maria Gonçalves, que se junta a apenas 12 outras mulheres na história da ABL.

A candidatura de Ana Maria Gonçalves ocorre em um contexto em que as instituições literárias estão sendo pressionadas a reconhecer e incluir vozes diversas. O caso da escritora Conceição Evaristo, que teve uma candidatura polêmica em 2018 e recebeu apenas um voto, destaca as dificuldades enfrentadas por autoras negras na ABL. O movimento de apoio a Evaristo foi significativo, com milhares ajudando na construção de sua candidatura.

Os últimos anos mostraram um avanço na inclusão de novos perfis na ABL, mas a crítica literária Michele Asmar Fanini ressalta que ainda há desafios a serem enfrentados. O debate sobre a falta de representatividade em espaços de poder se intensificou, destacando a necessidade de um olhar crítico sobre as práticas da academia.

Ana Maria Gonçalves poderá, portanto, assumir um papel importante na ABL, promovendo uma nova visão da literatura nacional e possibilitando a inclusão de novas vozes. O futuro dirá se essa escolha é um ponto de virada ou se seguirá sendo uma exceção em meio à tradição conservadora da ABL.

Rodrigo Peronti

Jornalista, pós-graduado em Comunicação e Semiótica, graduando em Letras. Já atuou como repórter, apresentador, editor e âncora em vários veículos de comunicação, além de trabalhar como redator e editor de conteúdo Web.

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